nota


A performance inicialmente censurada pelo CCHLA e depois por parte de varias mídias locais, iniciou O Circuito Itinerante de Performances Gira que ocupou a cidade de João Pessoa durante a semana passada com uma serie de ações e intervenções, promovendo contato e reflexão a respeito das produções contemporâneas de artistxs brasileiros em atividade pelo país.

O movimento é independente e aberto a todo tipo de produção performativa garantindo a liberdade de expressão de cada artista inscrito. 
Deixamos claro que a performance realizada no dia 24/09 no espaço da UFPB, não agrediu ou colocou nenhum observador em risco e sim, trouxe ao espaço reflexões pertinentes ao nosso tempo e realidade.

(sobre a nota divulgada no g1)
Não somos homens, somos dissidentes sexuais, somos o fracasso do patriarcado e uma falência enquanto macho. Nossas veias não são viris, ao usarmos nosso cu como instrumento de prazer, excretamos a virilidade e libertamos nosso corpo deste cativeiro que é a masculinidade compulsória. Somos afeminadas, translésbichas contra o heterocapitalismo, por que renegamos o projeto patriarcal e lutamos pela libertação do nosso corpo, da nossa sexualidade e de toda e qualquer dominação masculina.
“O temor da sociedade pelos corpos nus
O temor da sociedade pela liberdade
A vestimenta é a primeira estratégia de controle do corpo. É o que fez a humanidade deixar de ser animal
Roupas sempre foram usadas pela Elite, enquanto escravos, índios, crianças, bichos e máquinas sempre estiveram nus
Para uns atentado violento ao pudor, para outros estratégia de ação direta contra a perpetuação do conservadorismo patriarcal”

No Brasil as denúncias de violência contra a população sexo dissidente aumentaram cerca de 460%, totalizando mais de 6,5 mil casos de espancamentos e assassinatos. A violência na qual a performance foi submetida nas redes sociais e veículos de mídia como “Cidade Alerta” e “Cidade em ação” retrata exatamente esta realidade, mostrando a sociedade civil, uma mídia e uma universidade intolerante  com expressões e formas não heterossexuais de construção de conhecimento, em nome de uma moral e um conservadorismo machista. Não por acaso, dias depois, as ameaças na rede propagavam a agressão física e a intenção de matar, pois é assim que se deve tratar toda e qualquer iniciativa que se mostra disposta a questionar a supremacia patriarcal e combater seus desmandos. A violências cometidas pelo braço armado da universidade dos eleitores de bolsonaro, são as mesmas que matam e espancam diariamente travestis e mulheres e homossexuais, dentro e fora das instituições públicas.

(comentários facistas)

Diante da incisividade da performance, houveram muitas pessoas que disseram se sentir agredidas, desrespeitadas e impedidas de circular pela universidade. Estas pessoas estão dizendo que ficar frente a frente a um corpo nu é uma agressão e uma falta de respeito. Estas pessoas chamam órgãos sexuais de vergonha, isto é que deveria ser vergonhoso. Pessoas estão dizendo que um corpo nu é tão aterrorizante e violento que prende seus movimentos lhe impossibilitando de andar, o que representa uma imensa babaquice e apenas revela a ideologia moral que controla os corpos e impedem-nos de assumir esta dimensão natural. Questionamos o porquê da nudez incomodar tanto, o porquê da nudez está delegada tão somente aos espaços privados. Por que a roupa tem a pretensão de nos afastarmos de nossa condição animal? Sendo o controle dos corpos um objetivo a busca por um corpo livre, representado fielmente a partir da nudez, é uma ameaça direta a estrutura vigente.
Ao repórteres Sikeira JR, discentes e eleitores do coiso, que destilaram ódio nas redes sociais e que falam que o fato ocorrido não é uma performance e abrem a discussão do que é ou não arte ficam as palavras de Musa Michelle Mattiuzzi: “A branquitude se apoia na educação formal que criou/cria o que é bom, ruim, civilizado, selvagem, humano, não-humano. E dita o que é arte. [...] Percebo que a autocrítica nesse contexto não funciona, há estranhamentos silenciados.  E os corpos subalternizados pela colonialidade não podem ser geradores de linguagem, porque a linguagem pressupõe poder”

Entre diversos boatos por parte das pessoas comprometidas com a imposição da dominação patriarcal se falou muito sobre a performer está sob o efeito de drogas alucinógenas, fato que não condiz com a realidade, esse factoide inventado por terceiros vem para criminalizar a performer e colocar sua arte em um local de delinquência. A performance está em processo de construção a mais de 2 anos e nela é estudada a relação com um “ser natural”, anterior a construção das civilizações e presente na memória ancestral, colocando-o em confronto com a logica capital e todas as mudanças sofridas por esse “ser” a partir do questionamento entre individuo/natureza.
 Os hipócritas que falam em democracia mas não permitem e nem aceitam qualquer expressão de desqualificação do país, elaboram, mesmo sem querer, a repaginação e sofisticação da propaganda militar de 1964, responsável por silenciar lutas pela liberdade e tornando, a custa de muito sangue e vários desaparecimentos, as pessoas deste território mais estúpidas, ignorantes e cruéis.

Como a maioria as universidades brasileiras, a UFPB demonstra nas redes sociais seu comportamento altamente conservador expresso por seu corpo discente.
E sobre o posicionamento de Monica Nóbrega diretora do CCHLA
“A inadequação é pelo fato de ser um evento que não foi autorizado, fosse de uma apresentação de uma pessoa vestida ou não. Até porque é nesse tipo de solicitação que a gente avalia o espaço onde vai ocorrer, o horário e o tipo de apresentação”, comentou Mônica Nóbrega.

Deve-se ter em mente, portanto, que o nu artístico está intrinsecamente relacionado à garantia constitucional da liberdade de expressão, como dispõe o artigo 5, inciso IX, da Carta Magna, segundo o qual “é livre a expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.


Essa é uma tática de criminalização de artistas, pessoas trans e movimentos de resistência. Essa ação abre precedentes preocupantes para o modo como a universidade irá lidar com comportamentos alternativos ao hegemônico e ameaça gravemente a liberdade de criação e de expressão.  Democracia, respeito ao próximo e ser contra preconceito só faz sentido com práticas, não com discursos. 

A brutalidade e cegueira intelectual que impera nas mentes discentes e administrativas da UFPB desconhecem que em todo mundo performances questionadoras dos padrões sociais hegemônicos disputam espaços de construção de conhecimento em várias esferas, com a intenção clara de propagar possibilidades práticas mais libertadoras e levantar debate para os grandes tabus da sociedade. Em 2010 no Rio Grande do Norte, a performance de Pedro Costa foi selecionada e registrada em Diário Oficial para o XIII Salão de Artes Visuais realizado pela Prefeitura de Natal.  A apresentação consistia em tirar um terço do ânus, promovendo o que o artista chama de descolonização do corpo através da expurgação do terço, que é um dos símbolos do domínio colonialista. As fotos da performance ficaram expostas na galeria Newton Navarro subordinada a prefeitura da cidade.
Em 2014, outra performance de natureza bem similar foi apresentada na UFRPE, como trabalho na Semana de Ciências Sociais, continha cenas de nudez, costura de boca e imersão de corpos no lixo.
 Aliando este fato junto as referências acima citadas, atestamos a capacidade de justificar o caráter artístico da intervenção a qualquer órgão legal. Ainda assim, sendo o Estado brasileiro financiador, através das universidades e municípios, de muitas performances desta natureza não cabe recurso penal criminalizador, muito menos retaliação e perseguição das artistas envolvidas por parte das instituições. A tolice e imbecilidade dos setores conservadores que proferiram inúmeros dejetos textuais não merece resposta mais específica por se tratar de tamanha incompetência a cerca dos debates sobre questões artísticas questionadoras. Neste momento, os reacionários recalcados só podem dizer no máximo que não gostaram da intervenção, qualquer outra expressão que qualifique a apresentação como criminosa será encarada como mais uma violência e certamente será um convite para outra performance a altura, como forma de protesto e combatividade à posições conservadoras e autoritárias.
Com a certeza que a performance conseguiu agradar muitos alunos presentes, público alvo da ação, desejamos um semestre sem transtornos da machulência e sem a caretice dos hipócritas moralistas.
“Todo mundo quer saber o motivo… CANINGA, nome da performance, diz que os motivos são todos aqueles que se opõem a essa normalidade inculcada. Essa necessidade de coerência, essa obsessão pela lógica e pela racionalidade. As pessoas não se deixam atravessar. Todo conteúdo artístico esbarra em seus moralismos.
Sou contraria a exigência moralista da produtividade capitalista porque o que eu faço traz lucro para minha alma.
É o meu fazer político/artístico, ele se recusa a colaborar com esse sistema político representativo que aí está. Ele não é digno para os meus anseios como ser político. Não entende de feminismo, de liberdade de expressão, não age diretamente contra a intolerância (religiosa principalmente) e contra essa incapacidade de fazer sentido. Sobretudo, esse sistema finge que é democrático, finge que está aberto ao diálogo, finge que é humano.